terça-feira, janeiro 22, 2008

EDITORIAL - Journal of Endodontics

Caro Amigo Ruy,
Me desculpe, a extensão do texto, mas o fato é que além da complexidade do tema, o poder de síntese não é um dos meus pontos fortes. Além disso, por alguma incompatibilidade do meu Browser, eu não consegui postar no blog e por isso estou lhe enviando diretamente ao seu email.
Atualmente o JOE ocupa uma posição superior em termos de qualidade em relação às outras revistas peer-review de Endodontia, pois possui um fator de impacto significante maior. Hoje o JOE é a segunda melhor revista de toda a Odontologia é isso deve ser motivo de orgulho para nossa classe. Além disso, o JOE possui o prestígio de ser uma das mais antigas publicações na área. Por tudo isso, eu acho que o JOE tem realmente a obrigação de “fazer a história” tentando forçar a Endodontia a seguir por um caminho mais científico. Por isso, li com muito gosto o editorial que assume uma postura pertinente em relação a 2 metodologias comumente usadas na pesquisa Endodôntica: a microinfiltração e a difusão em Agar. Vou me deter somente na micro-infiltração, pois não tenho conhecimento suficiente para discutir a difusão em Agar.
A microinfiltração ocupa uma posição de crítica na Endodontia há alguns anos. Para mim, os principais responsáveis por esse processo de conscientização foram os professores Wu & Wesselink. Esses professores de Amsterdã publicaram um artigo em 1993 com o título “Endodontic leakage studies reconsidered Part I. Methodology, application, and relevance” que se tornou um clássico que aborda a fragilidade dos métodos que avaliam a qualidade do selamento apical, principalmente os estudos de micro-infiltração por corante.
Devido a esse artigo e a alguns outros subseqüentes, hoje nos temos a consciência da fragilidade desse método tão utilizado na Endodontia. Hoje, sabemos que estudos de microinfiltração com corante permitem uma série de interpretações equivocadas, pois o método é não-reprodutível, subjetivo, possui baixa capacidade de comparação e nenhuma relevância clínica (Oliver & Abbott, Correlation between clinical success and apical dye penetration, Int Endod J 34 2001)
Essas características pouco científicas contribuem para aumentar a distância entre os achados in-vitro e a clínica. Com isso os estudos de microinfiltração com corante se perderam na confusão de seus próprios resultados. A função de qualquer trabalho in-vitro pode ser a de comparar materiais entre si. Porém, se os pesquisadores forem capazes de desenvolver métodos mais confiáveis e de modo que a distância entre os resultados in-vitro e a prática clínica fosse diminuída ... isso sim representaria um grande avanço.
O transporte de fluido vem sendo aceito com um método mais confiável para testar a qualidade do preenchimento. Esse método possui uma característica muito interessante, pois ele produz resultados qualitativos e quantitativos. O resultado quantitativo é reflexo da quantidade de fluido que atravessa a obturação enquanto que o resultado qualitativo fornece uma informação se a obturação apresenta uma falha grave. Isso é possível pq somente ocorre o movimento do fluido se existir uma falha grave no preenchimento, o que é inglês é denominado como “through-and-through void”. Em outras palavras, uma falha de cabo-a-rabo (que se estende do inicio ao fim) na obturação. Quando não ocorre movimento de fluido é sinal que nenhuma falha desse tipo foi detectada e isso representa uma informação interessante que pode vir a ter importância clínica. O que acontece, é que até hoje essa correlação também não foi demonstrada cientificamente. Somente para fins de curiosidade, em um recente estudo nosso, 80% dos dentes uniradiculares obturados com a técnica do cone único e AH Plus apresentaram movimento de fluido. Deste modo, 80% dos dentes apresentaram uma falha grave na obturação. Em outro estudo nosso recentemente publicado no JOE (The ability of Portland cement, MTA and MTA Bio™ to prevent through-and-through fluid movement in repaired furcal perforations, JOE 2007), 100% das perfurações de furca obturadas com MTA apresentaram um through-and-through void.
Outro método interessante que devemos citar é a infiltração de glicose que foi recentemente desenvolvido por Xu et al. (2005). Desde a sua introdução, o modelo de infiltração de glicose foi usado por alguns estudos bem desenhados e suas vantagens estão sendo, deste então, bem discutidas. O modelo de infiltração de glicose foi aceito e elogiado por um experiente grupo de pesquisa sobre microinifltração (ACTA, Amsterdã, IEJ, 2006) como sendo uma evolução do método do transporte de fluído. A introdução do modelo de infiltração de glicose tem o potencial de encurtar distância dos resultados in-vitro e prática clínica, pois a glicose é um conhecido nutriente bacteriano. Xu et al. (2005) declararam que se a molécula da glicose pode entrar no espaço do canal radicular por meio da cavidade oral, as bactérias que podem ter sobrevivido ao tratamento endodôntico podem se multiplicar e tornam-se patogênicas devido a presença de um substrato que antes não estava disponível. Por esse mesmo motivo, os autores atestam que o modelo de infiltração de glicose pode ser mais relevante que os métodos nos quais outros marcadores sem relação ao metabolismo bacteriano são usados. Dentre as outras principais vantagens podemos citar: a molécula de glicose apresenta baixo peso molecular (180Da), é hidrofílica e quimicamente estável.
Além disso, deve ser frisado que o modelo de infiltração de glicose produz dados quantitativos precisos através de uma técnica analítica reconhecida por sua alta sensibilidade. Não é um método que consume muito tempo laboratorial e nem envolve mecanismos muito sofisticados. Podemos citar ainda que o modelo de infiltração de glicose é não-destrutivo – o que vem a ser muito interessante já que possibilita o reaproveitamento das amostras para outros experimentos. Deste modo, resultados superpostos e longitudinais tornam-se viáveis, assim como, a possibilidade de relacionar diferentes tipos de parâmetros, tais como: microinifltração com a qualidade da adesão (ensaios mecânicos).
Até a data de hoje eu tenho conhecimento de somente 2 trabalhos os quais correlacionaram o status clínico do dente com os resultados de in-vitro de microinfiltração. Em ambos os trabalhos a microinfiltração com corante foi o método in-vitro usado e uma fraca correlação entre os resultados clínicos e a micro-infiltração de corante foi encontrada. No entanto, não tenho conhecimento de trabalhos que tenham averiguado a existência de alguma correlação entre a situação clínica e os métodos mais confiáveis de microinfiltração tais como transporte de fluido, infiltração bacteriana e infiltração de glicose. Por isso, para mim esse representa hoje o grande problema dos estudos de microinifltração que usam transporte de fluido e infiltração de glicose: Atualmente não se sabe a real distância entre os resultados in-vitro e a clínica.
Os motivos anteriormente citados é o que certamente estimulou os editores do JOE a forçarem os pesquisadores a realizarem experimentos que objetivam estudar a relação desses métodos in-vitro com a prática clínica. Porém tb deve ser frisado que esse processo não é simples nem tão pouco trivial, pois o método de estudo é de difícil realização, pois exige uma logística altamente complexa. Esse trabalho mistura uma abordagem clínica (exigindo uma boa pré-avaliação dos casos) com uma laboratorial (in-vitro) na mesma amostra. O experimento deve usar dentes com os canais tratados e indicados para extração. Deve ser feita uma avaliação radiográfica usando um Índex apropriado, acompanhado de uma avaliação clínica prévia a extração do elemento. Deste modo, o caso poderá ser classificado como sucesso ou insucesso. Logo após a extração, o dente deverá ser submetido ao transporte de fluido e/ou a infiltração de glicose e esses resultados in-vitro deverão ser correlacionados com o status prévio do tratamento. Deste modo, algumas conclusões importantes poderão ser tiradas. Eu estou a 6 meses coletando esse tipo de amostra...e até hoje somente consegui 7 dentes. O ideal é que pelo menos 50 dentes considerados como sucesso clínico e mais 50 como insucesso sejam coletados para o estudo. E essa representa a principal dificuldade desse tipo experimento. Espero que um dia possamos conseguir. Se não for o meu grupo que seja outro, o importante é que o trabalho seja feito e seus resultados divulgados e bem interpretados.
A idéia de que estudos in-vitro possam prever com alguma confiabilidade a performance clínica de um material e/ou técnica deve ser o considerado como ponto-chave para essa questão. Esse processo já foi mais bem estudado e melhor compreendido pelos nossos colegas que há bastante tempo pesquisam adesão na dentística operatória. Isso pode ser atestado pelo o pensamento do importante grupo de Leuven, Bélgica (De Munk et al., Jornal of Dental Research, 2005): “When in vitro and in vivo bonding effectiveness data were correlated, some clear associations were apparent. Adhesives that performed less well in several independent laboratory studies also appeared to be less clinically effective. Consequently, in contrast to common belief, clinical effectiveness of adhesives can be predicted.”
Por isso, pessoalmente não acho que os estudos de microinfiltração in-vitro devam ser menosprezados e/ou abandonados. Apenas acho que se os métodos in-vitro evoluírem e ser tornarem mais confiáveis ... isso será muito bem vindo para a evolução da prática endodôntica e para o desenvolvimento e teste de novos materiais. Nesse ponto, eu gostaria de encaixar a importância histórica dos métodos de microinifltração de corante. Para mim, a importância desses métodos para a ciência endodôntica foi treinar os pesquisadores na prática experimental e permitir o amadurecimento das idéias e dos resultados a ponto de hoje possuirmos a consciência das suas limitações e deste modo podermos saber aonde nós queremos chegar com o desenvolvimento dos novos métodos. Portanto, nos dias de hoje, cabe a nós a responsabilidade de evoluir com a ciência endodôntica para que isso possa, um dia, refletir em um maior índice de sucesso clínico, assim como, um maior conforto para os pacientes durante o tratamento.
Grande Abraço do Rio,
Gustavo De Deus
Prof. Gustavo De Deus
UERJ- Univ. Estadual do Rio de Janeiro
Universidade Veiga de Almeida.